A ausência da Amada e a presença da Musa-Estrela


Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

MORAES, Vinícius de. ANTOLOGIA POÉTICA.

A figura da Estrela desponta no poema de Vinícius de Moraes. Deixando de lado amor carnal (O Enamorado), o poeta faz da amada a sua musa. Abandonando a chance de conviver com o objeto de seu amor, ele esquece a cumplicidade (A Temperança) para viver da utopia. Vivenciando o sonho estático da visão perfeita do amor, ele opta pela fantasia em detrimento da realização do amor (o Sol). Sendo assim, inatingível e bela, a Estrela-Amada do poeta permanece eterna em sua memória e inalterável em seu coração.

Comentários

Anônimo disse…
um dia alguém me falou que esse poema era perfeito.
Ana Marques disse…
É interessante.
Lembro-me do livro "O Alquimista", e no mercador que diz que deseja sonhar com Meca, mas jamais irá à Cidade Santa. Segundo ele, se fosse à Meca, não teria mais com que sonhar.

Embora Paulo Coelho não seja meu escritor favorito (nem de longe!), gosto dessa passagem do livro. AS vezes fico a pensar se abrir mão daquilo que desejamos tão intesamento - e com o que sonharemos o resto da vida - não seria muito mais um comodismo e uma espécie de covardia.

Para refletir...

Um beijo, Mábia. Obrigada por me visitar.
Beijo enorme, Jana. Bom demais te "ver", nem que seja apenas virtualmente por enquanto.

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