Destruição, por Ana Marques

Eu fui até o fim dos tempos e o ar desolado seguia-me incessante. Não havia descanso. Não havia parada.

Apenas a minha mão dizendo que o fim tinha chegado, que o começo era esperado.

E que tudo ia mudar, de novo.


Fui até o começo dos tempos buscar o nascimento do mundo. Mas não havia mundo, não havia sonho, não havia sequer o desespero. O começo era apenas o nada, a possibilidade e a solidão.


Segui passos que ouvia. Cantei melodias. Corri esferas inimagináveis para compreender a criação.

... mas me brotava dores dos dedos. Quando eu sonhava na realidade tinha pesadelos. E eram todos cor e sons.


Todos os rostos que eu criava eram figuras mortas, macabras. Eram apenas traços do futuro que não ia vingar.


Tracei um círculo, invoquei o demônio em mim. Convoquei legiões de poetas, de carrascos, detentores do sofrimento e do fim. Fiz um rito publicamente imundo. Difusamente estúpido. Porque ele não era nada.

Ele era a minha piada.

Era a ode ao descaso, ao fatalismo, ao acaso.

Ele era apenas a minha tentativa vã de não destruir.


Voltei ao futuro, que o presente ia ruir.

Voltei do passado compreendendo o traçado, a teia do destino e o porvir.

Entendi.


E enfeiticei o sonho, o delírio, o abandono. Trouxe todos para perto, para tecer ao relento. Trouxe todos para a minha fogueira.

Porque é a minha a mão ceifeira.

Porque é minha a Roda que gira e encanta e desdobra e acalanta o desnutrido e o rebento.

Porque é minha a Força que pisa, que destroça, que planta, que enraivece e que remoça.

É minha a dor da sua morte.

É minha a dor da sua sorte.

É minha sua fonte segura de renovação.

Eu sou a destruição.


(poema inspirado no personagem Destruição, de Sandman)

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