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Mostrando postagens de setembro, 2025

Eternidade

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Não peças promessas, meu amor. Não somos eternos. E o nosso tempo aqui  é apenas um átimo. Um segundo. Um suspiro. Não queiras a eternidade que eterna é apenas a inconstância das vidas que desaparecem  ao soprar de uma vela. Desdobre-se, meu amor que o tempo (infinito) irá fundir-se em nós dois. E no vasto instante (em que isso acontecer) seremos tudo do pó  que de nós restou.

Perfeitos, por Ana Marques

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...e se mesmo perfeitos Não ficássemos juntos? E toda a alegria Fosse passageira? E se mesmo nos encontrando A gente se perdesse? E esquecesse da importância De se reencontrar? Virássemos esquinas Trilhando distâncias Entrando em neblinas Desejos distópicos para silenciar E se a gente se afastasse, apenas por não saber que tinha outro jeito? E que ficar juntos Seria perfeito? Arte: Patmai

Não te falo mais nada, por Ana Marques

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Não te falo mais nada. Meu corpo não tem espaço para tanta pancada e meu fígado já falha da raiva que eu guardo. Não tenho voz para te acusar, não tenho sangue para me defender. Vivo dos desvios – às vezes rápidos e às vezes lentos – dos tapas que voam para todo lugar. Meu corpo sacode no ar, não é de alegria ou gozo. Sacode da surra que me espera ao final de um dia ruim. Que vida é esta? A igreja não responde. Resigno a mim mesma em orações que não faço. Não vou mais à igreja, não acredito em mais nada e dia a dia a vida segue sem cessar. Não cessam os socos, que às vezes chegam aos filhos. Filhos estes que também não param de chegar. Chega! Não te falo mais nada. A odisseia remonta o espetáculo. Retoma o palco e lá vou eu. É mais longa a sessão de porrada e quase por nada eu durmo no chão. O sangue se espalha, eu limpo e cansada, vou passando o pano no chão. A boca não abre de tão inchada, os dentes já moles reclamam dentista, comida, dignidade e um pouco de paz. Não tenho mesmo para...

Montanha russa, por Ana Marques

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Sai. Não aguento mais olhar a depressão presente. Quer me ajudar de verdade? Mais um comprimido  que o efeito contínuo é o que alivia. ... e se não quer me dopar (de novo) devolve a bebida conhaque, uísque ou pinga Tanto faz. Se nem isso é permitido me deixa sozinho eu não quero olhar para mim nem para você. Sai. *** Vem. Estou com saudade dos namoros, viagens e danças. Foram tantas! Vamos sair para comemorar? Tocar violão na praia fechar os bares dormir ao relento viver a vida o dia inteiro... *** Sai, amor. Não há vida nesta vida. Não há retorno. Nem há sonho.  Me deixe em paz. *** (de comprimidos  ele encheu o corpo e o espírito  e na montanha russa  subiu  descendo ao infinito.  Nem começo, ou fim  ele está preso  sem entrar ou sair  de mundo nenhum) Imagem: Freepik

A Bailarina

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"Olá, querido. O que faz aqui?" "Oi, como a senhora está?" Ela se animou visivelmente enquanto tagarelava. "Quer um beijo? Ah, mas você é tão jovem para ficar admirando uma mulher mais velha como eu! Que tal um autógrafo? Sou casada, sabe? E com um belo homem, muito inteligente e muito, mas muito ciumento. Me desculpe não corresponder a sua admiração, desculpe..." Ela sorriu para o espelho e o rosto fortemente maquiado sorriu de volta. Levantou-se e ensaiou passos de dança. Sem qualquer aviso, desabou na cadeira, como se estivesse muito cansada, e desatou a falar: "Dancei tantas vezes no teatro. A vida era boa, sabe? Meu coração se enchia de alegria com os movimentos e a admiração das pessoas. Eu era requestada, era amada! Nunca houve ninguém como eu. A pele tão bonita, o rosto formoso, o cabelo por todas copiado. Já te disse que meu marido era muito ciumento? Ele nunca me deixava sozinha! Aliás, onde será que ele está agora? O que será que aconteceu ...

Decisão, por Ana Marques

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Está decidido. Meu amor, eu aceito o teu pedido. A aliança, o véu, o altar. Me vestirei de santa para te alucinar. Vou beirar o branco e inspirar os teus dias, adornar o colo de pérolas e ser a concha dos teus segredos. E no cheiro de café ronronarei as tuas manhãs, esfregarei a pele em ti e brilharei os olhos em ares malvados apenas para te divertir. Eu aceito e te digo sim. Digo que contigo me casarei. Meu amor, esse meu imediatismo não me permite negar e por isso a resposta é "sim". Eu desejo o auge, a paixão e estar aconchegada em teus braços. Quero os dias de afagos, a alegria e o apego. Quero dançar contigo e, ao teu lado, ver vídeos em preguiçosos domingos sem fim. Quero-te ao meu lado, mesmo sabendo que é fato a existência de um prazo para terminar. Pode dizer a todos que te escolhi. E planto com o meu amor a semente de certeza, de que o tempo corroerá deste sentimento a beleza. Sei que a vida não nos perdoará a ousadia, de querer preencher com paixão os nossos dias. ...

Sonho, por Ana Marques

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Sonhei, como só deviam sonhar os poetas. E amei você em todos os sonhos, como somente os sem esperança podem amar. De amor e de sonhos alimentei o meu abandono, o raiar dos dias sem luz, o anoitecer, já tão escuro, da minha existência. Sonhei, sim. Poder mover a mão, que não te alcançava tocar a pele que brilhava e quase dizia-me "sim". Mas entre sonos e dores tão vívidos, lembrar tua face era meu remédio. [quase um vício!] Mantinha-me presa a essa vida. [que vida?] Aceitava a sopa, às colheradas. Amava o banho, o sol, a vida regrada. Amava até mesmo um exame qualquer que o trazia para mim. Sonhei, sim. lá fora, no corredor, em voz baixa ele fala de mim. da moça inválida, quase sem vida, que não reage a nada. e fala do encontro, seu novo alvoroço, a nova paixão. volta sorridente para mim, a moça senil, sem sentimentos, sem vontade aparente. Sonhei, como só deviam sonhar os poetas. E amei você nesses sonhos, como somente os que nada tem a perder podem amar. imagem:  Prabuddha ...

Limbo

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Não destoa meu verbo eu estou o inverso o medo nos dedos que acendem o cachimbo e o limbo em que eu vivo não há suspeita de que a vida é alheia ao meu peito que dói (a barriga inchada de vida irrigada implora por vida. que vida?) Acendo outro pito retorno ao universo em que não existo. E a barriga que mexe se perde na fumaça que habito. imagem: Freepik

Devolva-me, por Ana Marques

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Eu a via seguir por estradas insones. Correr de um lado para o outro, sem que nenhuma de suas palavras fizesse sentido para mim. Ela segurava flores imaginárias e soltava as borboletas que estavam presas no miolo amarelo. Acenava alegremente a noite que descia, chorava ensandecida para o dia que a iluminava. Ela vivia de trevas e odiava a luz. Suas refeições eram escuras e seus soluços infinitos. Ela me assustava. Sua voz sorria no escuro e eu ria junto. Nunca sabia se devia correr ou me esconder. Seus braços me envolviam e apertavam: o mundo lá fora era um lugar perigoso para nós . As vezes, aqueles mesmos braços me torciam e sufocavam: o mundo lá dentro tornava-se perigoso para mim . Ela recitava poemas sem sentido e contava histórias incríveis. Pintava borrões e eu podia ver a beleza nas suas tintas no fundo branco. Cantava alto quando estava triste, cantava alto quando estava feliz. Eu não conseguia alcançar a sua voz ou o seu espírito. E assim sempre me sentia sozinha. As vozes q...

Pisciana, por Ana Marques

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... engana-se quem pensa que sou peixe fora d'água. meu canto é mar  minha natureza é esparsa  e se sorrisos tristes espalham-se pelo caminho  é que trago o coração de todos comigo  e parte do amor que me faz compreender ...  são sonhos tolos que vivem na minha fantasia  como tolos são todos os sonhos e os loucos,  e os que ficam roucos de tanta vida  e se partidas partiram a veia inteira  é que o abismo é chão, a queda é trincheira  e o infinito nutre a intensa cura e o terno pesar Engana-se, amiga, se acredita que esqueci minha origem  nada eu esqueço, nada eu deixo, nada é a minha estrada  tudo mora e se alimenta de mim ...  e se os portais se abrem quando eu passo  é que a senha é o meu sangue, meu suor, meu cansaço  meu DNA destilado está imerso nessas fronteiras  Nas esferas distraídas que compõe meus Universos  ainda é o meu coração de tinta, minha escrita, o meu verso  que traduz o que eu ...

Destruição, por Ana Marques

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Eu fui até o fim dos tempos e o ar desolado seguia-me incessante. Não havia descanso. Não havia parada. Apenas a minha mão dizendo que o fim tinha chegado, que o começo era esperado. E que tudo ia mudar, de novo. Fui até o começo dos tempos buscar o nascimento do mundo. Mas não havia mundo, não havia sonho, não havia sequer o desespero. O começo era apenas o nada, a possibilidade e a solidão. Segui passos que ouvia. Cantei melodias. Corri esferas inimagináveis para compreender a criação. ... mas me brotava dores dos dedos. Quando eu sonhava na realidade tinha pesadelos. E eram todos cor e sons. Todos os rostos que eu criava eram figuras mortas, macabras. Eram apenas traços do futuro que não ia vingar. Tracei um círculo, invoquei o demônio em mim. Convoquei legiões de poetas, de carrascos, detentores do sofrimento e do fim. Fiz um rito publicamente imundo. Difusamente estúpido. Porque ele não era nada. Ele era a minha piada. Era a ode ao descaso, ao fatalismo, ao acaso. Ele era apenas a...